A frase “você é o que você come” é uma expressão bem popular. Mas além de “o quê” você come, você já parou para pensar em “como” você come, e “por que” você come o que come? Essas são as perguntas que o Mindful Eating tem levantado, provando que a comida pode ser um ponto de partida para evoluirmos em muitos aspectos da nossa vida, que não a busca cega e limitada por um corpo “perfeito” ditado pela dieta do momento.
O Mindful Eating é uma filosofia de vida e técnica nutricional que aborda a alimentação com a lente do mindfulness. Você já deve ter ouvido falar desse termo em conversas sobre meditação. Mas o mindfulness, na verdade, é uma postura de trazer atenção plena para cada momento do seu dia, inclusive na hora de comer. E, vamos combinar, qual foi a última vez que você comeu alguma coisa sem assistir televisão, checar o celular, conversar com alguém ou vaguear os pensamentos entre compromissos e paranoias?
Geralmente, não estamos experienciando 100% o momento presente. Na intenção de sermos produtivos, e seguindo a lógica do “tempo é dinheiro”, nos colocamos a realizar mais de uma tarefa o tempo todo, o que tem reflexos negativos em diferentes setores da nossa vida.
NO DIVÃ COM A COMIDA
Conversamos com a médica Paula Teixeira, referência no mindful eating no Brasil, e ela explicou que: “A falta de atenção plena a nossa própria vida faz com que a gente coma para aliviar o tédio, a tristeza, a solidão. Comer pois não temos outras fontes de prazer, porque não temos outras fontes de diversão e de cuidado pessoal das nossas verdadeiras necessidades”.
Dessa forma, nossa relação com a comida funciona como um espelho de nossas emoções, e podemos reprimi-las ou nos afundarmos nelas. A médica pediatra, e também monja budista, Jan Chozen Bays, costuma dizer que: "O jeito que nos relacionamos com a vida é o jeito que nos relacionamos com a comida".
Nesse sentido, Paula Teixeira lembra que é poderoso examinar nosso relacionamento com a comida: “Descobrimos nessa investigação amorosa muito sobre nós mesmos, nossas escolhas, nossos padrões. Podemos descobrir se temos ‘engolido qualquer coisa’, na mesa e fora dela”.
Ou seja, no mindful eating, ao mesmo tempo em que você faz as pazes com a comida e se permite observar seu comportamento diante dela, faz também uma análise de si mesmo, pois um está relacionado ao outro. E é bem comum que, além de conseguir uma alimentação equilibrada e um corpo saudável, você consiga também mais clareza mental e empoderamento pessoal por meio do mindful eating. Conforme explica Paula, nesse processo redescobrimos a capacidade de nos nutrirmos não só com comida, mas também com outros tipos de nutrição.
Por meio desse exercício da pausa e do saborear com todos os sentidos o que está no prato, há uma crescente de comando interno. Você começa a escolher o que quer comer, você se autoriza e é você que tem a responsabilidade de saber o que é melhor para você. Não se trata de dietas prontas. Mas de despertar uma inteligência interna, sem negligenciar os conhecimentos sobre os alimentos.
No livro Introdução ao Mindful Eating: comer com atenção plena, escrito por Paula Teixeira em colaboração com os nutricionistas Driele Quinhoneiro e João Motarelli, os autores lembram que a medicina e a nutrição atuais se ocupam em ensinar quais alimentos evitar, mas não ensinam, de fato, a lidar com os alimentos que são colocados em nossa frente diariamente, nem tampouco como gerenciar nossas vontades nesse momento.
Você escolhe o que come com autonomia, escutando a sabedoria de seu próprio corpo? Ou é do tipo que restringe sua alimentação até não aguentar mais e comer uma pizza inteira de vez? Para Paula Teixeira, temos terceirizado nossa capacidade de cuidar e nutrir. “Desejamos que alguém nos fale o que comer. Nos ensinaram a ficar totalmente desconectados com a sabedoria do nosso próprio corpo. O terrorismo alimentar é em grande parte responsável”, afirma a médica.
Quando abrimos o jornal ou portais de notícias, é comum vermos divulgações de pesquisas que um dia dizem que o ovo faz bem; no outro, que é o principal vilão. Isso embaralha nossas certezas internas a ponto de pensarmos não sermos capazes de conduzir nossa própria alimentação e não confiarmos em nossa sabedoria interior. “Nos tornamos, então, amedrontados e desconectados, o que é bom para a indústria alimentícia, que pode ditar o que é saudável e colocar em seus rótulos ‘sem glúten’, ‘sem lactose’, ‘0 açúcar’ e ‘0 gordura’ ou ‘light’", completa a especialista no assunto Paula Teixeira.
O Mindful Eating propõe um resgate dessa conexão.
NÃO SE REPRIMA! SE ESCUTE.
Assim como na meditação mindfulness não julgamos os pensamentos que vem, apenas os observamos e os deixamos ir com gentileza; no Mindful Eating não julgamos os nossos desejos alimentares, apenas os analisamos, observando de onde podem ter surgido e, após uma pausa no momento presente, decidindo gentilmente como lidaremos com eles.
Paula Teixeira define que o mindful eating é a capacidade inata que todos temos (e que, portanto, podemos executar) de “prestar atenção ao relacionamento com a comida, enquanto come, mas também antes e depois de comer. É notar sentimentos e pensamentos envolvidos com o ato de comer. É notar os sabores, sensações, sentimentos e pensamentos que cada comida desperta dentro do indivíduo. É estar no centro de si mesmo enquanto come”.
Uma chave muito utilizada nesse processo de fazer escolhas alimentares conscientes é, de acordo com a médica, equilibrar esses três pontos: a qualidade do alimento, o que está disponível para comer e o que vai te satisfazer. Respeitando a fome, a saciedade e a sabedoria do corpo. “Não adianta comer o que não quer, apenas porque é teoricamente saudável, sem satisfação, logo vamos buscar comida novamente”, salienta Paula.
É preciso perder o medo da comida, para que possamos integrá-la de uma forma saudável em nossas vidas. Paula Teixeira cita um conceito budista chamado de interdependência, que nos ensina a honrar os alimentos. “No mindful eating, nós falamos de nos tornar conhecedores conscientes da comida. Eu prefiro comer, sempre que possível, um alimento feito por uma pessoa de verdade, do que um ‘produto alimentício’ feito por uma máquina, em um laboratório, por uma pessoa usando um jaleco e óculos de proteção. E esses alimentos que vão permitir a minha vida de continuar, continuando sua própria história a partir de mim”.
No entanto, a médica adiciona que esse processo deve ter base em amor e tranquilidade, com a consciência de que alimentos mais industrializados também são comida e de que podemos comer com prazer se assim decidirmos algum dia.
Sophia Loren costumava associar sua exuberância de grande estrela do cinema aos tradicionais carboidratos italianos. “Tudo o que você vê, eu devo ao spaghetti”, diz uma frase cuja autoria costuma ser atribuída a ela. Brincadeiras à parte, não demonize os alimentos. Apenas, saiba dosar o que é bom para você! E isso acontece quando silenciamos o barulho externo e focamos a nossa atenção no momento presente e em nossas sensações e vozes internas, que são o melhor termômetro do que devemos fazer e comer.
Não tem muito segredo! Apenas esteja presente em todos os momentos e faça do comer um ritual. Selecione os alimentos que colocará no prato com atenção, sente-se de maneira confortável e ereta na cadeira e ao levar a comida à boca primeiro perceba suas cores, aromas e temperatura, bem como sua textura e sabor. Mastigue devagar, atento a tudo o que está colocando para dentro de si. O que essa combinação de alimentos provoca em seu mundo emocional e sensorial? Esse é um bom exercício para colocar em prática o mindfulness na hora da refeição.
De acordo com Paula Texeira, a ciência demonstra que essa maneira de se alimentar acarreta vantagens fisiológicas, tais “como melhora de parâmetros laboratoriais como diminuição de glicemia, de LDL-colesterol, de hemoglobina glicada, da resposta de luta ou fuga e consequentemente do cortisol e hormônios do estresse, sabidamente envolvidos com o processo do aumento de peso”, e ainda que “praticar mindfulness aumenta a vontade intrínseca de comer melhor e ser mais ativo fisicamente”. Em oposição, as dietas tradicionais apresentam resultados baixíssimos. Um estudo realizado pelo King’s College London demonstrou que a chance de uma pessoa emagrecer e permanecer magra em 10 anos fazendo dieta e exercícios foi menor que 0,001%.
Fonte: Revista Inspira, edição #2.
Assine gratuitamente na nossa home e receba a revista em seu e-mail todo semestre!
Ilustração: KateMangostar/ Freepik