Introdução: o mito como caminho para o autoconhecimento
Em uma época em que o ser humano busca respostas em manuais práticos e soluções rápidas, a leitura de mitos pode parecer uma atividade arcaica, desprovida de relevância para a vida contemporânea imersiva nas telas digitais.
Mas devemos lembrar que o mito é uma linguagem da alma, um espelho que reflete as profundezas de nossa psique e revela verdades atemporais sobre a condição humana. Como James Hollis sugere em seu livro Rastreando os Deuses, reencontrar-se com os mitos é um ato de redescoberta pessoal. Quando lemos essas histórias antigas, reconhecemos em seus personagens e dilemas os fragmentos de nossa própria jornada.
Joseph Campbell, um dos maiores estudiosos dos mitos, destacou que essas narrativas cumprem quatro funções essenciais para a humanidade: a mística, a cosmológica, a sociológica e a psicológica. Essas funções não apenas explicam o mundo ao nosso redor, mas também nos ajudam a navegar pelos desafios internos que encontramos ao longo da vida. Ao rastrearmos os deuses, rastreamos também as sombras e as luzes que habitam em nós.
Este artigo propõe uma jornada pelo mundo dos mitos, guiados pelos insights de James Hollis e outros pensadores, para compreender por que essas histórias são tão cruciais para o autoconhecimento e como elas continuam a nos moldar, mesmo que inconscientemente.
O que é o mito?
O mito, segundo James Hollis, é uma narrativa simbólica que tenta dar sentido ao mistério da existência. Diferente de uma mera história ou conto popular, o mito carrega um significado profundo que transcende o tempo e o espaço. Ele não é apenas uma explicação do mundo externo, mas também uma representação das dinâmicas internas da psique humana.
Joseph Campbell afirmou que o mito serve ao ser humano de quatro maneiras principais:
Função Mística: ajuda-nos a perceber o mistério e a maravilha do universo. O mito desperta em nós um senso de reverência diante da existência;
Função Cosmológica: explica o funcionamento do mundo natural, oferecendo uma narrativa que ajuda a situar o ser humano dentro do cosmos;
Função Sociológica: oferece normas sociais e éticas que ajudam a sustentar uma cultura, transmitindo valores e comportamentos esperados;
Função Psicológica: facilita o amadurecimento individual ao nos oferecer arquétipos que orientam a jornada de autoconhecimento.
Essas funções demonstram que o mito não é uma relíquia do passado, mas uma ferramenta viva que continua a moldar nossa percepção do mundo e de nós mesmos.
Por que seguir os rastros dos deuses?
Em Rastreando os Deuses, James Hollis argumenta que seguir os rastros dos deuses é uma necessidade urgente para aqueles que buscam compreender as forças invisíveis que moldam suas vidas. Esses deuses, ou arquétipos, habitam nosso inconsciente e influenciam nossas escolhas, medos e desejos.
"Os deuses não morreram; eles apenas mudaram de endereço", escreve Hollis, sugerindo que as forças arquetípicas que outrora personificamos em divindades continuam presentes em nossa psique. Ignorar esses rastros é viver à mercê dessas forças inconscientes, sem compreender o que nos move.
Seguir os rastros dos deuses significa, portanto, tornar-se consciente dessas forças e assumir responsabilidade por nossas escolhas. É uma jornada arquetípica de reconexão com os aspectos mais profundos de nossa psique, uma tentativa de dar sentido aos paradoxos e dilemas que enfrentamos.
Arquétipos e Imagens Arquetípicas
Os arquétipos são padrões universais que emergem do inconsciente coletivo, termo cunhado por Carl Gustav Jung. Esses padrões manifestam-se por meio de imagens arquetípicas em mitos, sonhos e símbolos culturais.
James Hollis explica que os arquétipos são como lentes através das quais percebemos o mundo. Eles moldam nossas experiências e influenciam nosso comportamento. Por exemplo, o arquétipo do herói representa a jornada de superação de desafios e busca por significado, enquanto o arquétipo da sombra personifica os aspectos reprimidos de nossa personalidade.
As imagens arquetípicas são as representações simbólicas desses arquétipos, como os heróis mitológicos, os vilões, os sábios e os tricksters – é quando um arquétipo ganha nome, personalidade, pessoalidade. Essas imagens nos ajudam a reconhecer os arquétipos em nossa vida cotidiana e a lidar com suas influências de maneira mais consciente.
A Escrita Profunda como ferramenta de autoconhecimento
A escrita profunda®, método criado por Amanda Meschiatti e Heryck Sangalli, é uma poderosa prática que permite explorar os mitos e arquétipos presentes em nossa psique. Esse método reúne ferramentas de várias áreas do conhecimento e transforma a vida em narrativa. Mais do que uma atividade criativa, fazer escrita profunda é um meio de acessar camadas ocultas do inconsciente e trazer à luz os símbolos e padrões que moldam nossa jornada interna.
O poeta e ensaísta Robert Bly, em suas reflexões, certa vez escreveu que "o uso consciente da linguagem parece ser o método mais proveitoso para recuperarmos a substância da sombra espalhada pelo mundo". Quando fazemos escrita profunda criamos uma ponte entre o consciente e o inconsciente, permitindo que figuras arquetípicas reprimidas sejam trazidas à tona e integradas em nossa narrativa pessoal.
A escrita profunda é explorada nos livros O Livro de Afrodite e As Deusas Gregas e o Inconsciente.
O Livro de Afrodite
O Livro de Afrodite é um guia Arquetípico com 233 Exercícios para Despertar a Divindade Interior e oferece um caminho para explorar os temas relacionados à deusa Afrodite, como autoestima, amor, desejo, prazer, sexualidade, beleza, poder pessoal, espontaneidade dos sentimentos, vitalidade e liberdade. Por meio de provocações e reflexões, o livro convida o leitor a integrar esses aspectos em sua vida cotidiana.
As Deusas Gregas e o Inconsciente
As Deusas Gregas e o Inconsciente explora como as principais deusas da mitologia grega — Afrodite, Ártemis, Atena, Deméter, Héstia, Hera, Hécate e Perséfone — se manifestam em nossa mente inconsciente. O livro oferece uma jornada para identificar como essas deusas se expressam em nosso comportamento – em seus lados luz e sombra –, permitindo que organizemos o caos interno, ganhemos perspectiva e nos reconectemos com nosso poder natural.
A escrita profunda, portanto, é um convite para entrar em contato com as imagens arquetípicas que habitam nossa psique. Por meio dela, podemos resgatar fragmentos perdidos de nossa identidade, organizar nossa narrativa interna e nos reconectar com os mitos que moldam nossa existência.
A importância de ler mitos
Ler mitos é mais do que um exercício intelectual; é um ato de autodescoberta. Segundo James Hollis, os mitos nos convidam a enxergar a vida de forma mitopoética, ou seja, a reconhecer o aspecto simbólico e metafórico das experiências humanas.
A visão mitopoética da vida nos ajuda a perceber que cada evento, cada escolha e cada encontro carregam um significado simbólico. Ela nos encoraja a buscar o sentido mais profundo das experiências, em vez de nos limitarmos às explicações superficiais.
Hollis ressalta que os mitos oferecem mapas para nossa jornada interior. Eles nos ajudam a identificar nossos medos, desejos e conflitos internos, permitindo-nos navegar pelos desafios da vida com mais clareza e propósito.
O Lado Luz e o Lado Sombra dos Arquétipos
Os arquétipos e as imagens arquetípicas possuem um lado luz e um lado sombra. O lado luz representa as qualidades positivas que eles trazem à consciência, enquanto o lado sombra simboliza os aspectos reprimidos e ocultados, que muitas vezes nos causam problemas (ou por sua falta ou por seu excesso).
James Hollis utiliza o exemplo de Mefistófeles, o demônio que aparece na obra Fausto, de Goethe, para ilustrar o lado sombra dos arquétipos. Mefistófeles personifica a tentação, o desejo de poder e a busca por atalhos para alcançar objetivos. Ele representa o lado sombrio do desejo humano por controle e domínio.
No entanto, Mefistófeles também tem um papel importante na jornada de Fausto: ele o força a confrontar seus desejos e a assumir responsabilidade por suas escolhas. Assim, Mefistófeles nos lembra que o lado sombra não pode ser ignorado ou suprimido; ele precisa ser integrado e transformado.
A integração do lado sombra dos arquétipos é fundamental para o autoconhecimento. Ao reconhecer e aceitar esses aspectos reprimidos, podemos evitar que eles nos controlem inconscientemente e encontrar um equilíbrio mais saudável entre luz e sombra.
Conclusão
A jornada de autoconhecimento é, em essência, uma jornada mitopoética. Os mitos oferecem mapas para navegar pelas paisagens internas da psique e entender as forças arquetípicas que moldam nossa vida.
Como James Hollis enfatiza em Rastreando os Deuses, seguir os rastros dos deuses é um ato de coragem e responsabilidade. É reconhecer que somos influenciados por forças invisíveis e escolher conscientemente como queremos responder a elas.
Em um mundo que valoriza o pragmatismo e a lógica, o resgate da linguagem simbólica dos mitos é um ato de resistência. É um convite para ver a vida com mais profundidade e significado, para reconhecer o nosso potencial – mesmo quando escondido na nossa sombra.
Convidamos você a ter essa experiência de jornada arquetípica por meio dos nossos livros As Deusas Gregas e o Inconsciente e O Livro de Afrodite.
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