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O feminino arquetípico e as mulheres maduras

Atualizado: 14 de abr. de 2022


Foto: Ron Lach/ Pexels


É possível se reconectar com o feminino depois dos 50? Para uma mulher, envelhecer pode se parecer com desaparecer e a menopausa, com o fim da linha. Mas isso só se sustenta até a segunda página.


Nesta publicação, você vai desmascarar as forças culturais que podem estar acabando com a sua autoestima e conhecer alguns dos arquétipos que podem te ajudar a entrar com tudo nessa deliciosa e madura fase da vida, quer você tenha 70, 50, 40 ou se seus primeiros fios de cabelo prateado começaram a aparecer...


Afinal, quais são os arquétipos da mulher que se torna amiga do tempo?


1. Envelhecer ou Envelhe-Ser?

Se você está na pós-menopausa ou bem próxima dessa fase, você pode estar começando a sentir que está desaparecendo. Você pode estar se despedindo da profissional que você foi por tantos anos e encerrando a sua carreira com uma aposentaria; vendo enfraquecer a autoridade do papel de mãe, uma vez que seus filhos já não são mais crianças; ou pode ainda estar inquieta e um pouco ansiosa sobre o futuro da sua relação agora que você e o seu companheiro podem passar mais tempo juntos ou que você se encontra mais solitária, com uma agenda em branco e um ninho vazio.


Você se olha no espelho e percebe que seu corpo não é mais o mesmo de 20 anos atrás. “Cadê a menina que estava ali?” – você se assusta.


Mas, não, você não está desaparecendo. Essa pode ser, inclusive, a primeira chance que o seu eu verdadeiro tem de aparecer de verdade.


Talvez, você encare tudo isso com medo, como se esse fosse o último ato da peça que é a sua vida e se pergunte se fez tudo o que podia pelo seu “final feliz” e o dos que ama.

É nessas horas que vem a questão: o que há de sagrado em ser uma mulher envelhecendo?


Essa pergunta – que tem um quê de vítima, um quê de reclamação e um quê de nostalgia – pode ter aparecido para você camuflada na autocrítica severa, na autossabotagem e na autodeterminação de que “não há mais tempo para isso, já passei da idade”.


Quando isso acontece, é hora de tirar os óculos que você pegou emprestados da cultura (e, não se culpe, todo mundo pegou os mesmos óculos) e aprender a enxergar com os seus próprios olhos que o tempo não é o seu inimigo. Ele te toma coisas, mas também te dá, e tê-lo tatuado na sua pele e na sua alma é uma representação estética da magnitude da vida.


2. Menopausa é rito de passagem, não de fim

A maneira como enxergamos uma mulher é ainda baseada em pilares que se estabeleceram ao longo de milênios de cultura patrifocal. Isso quer dizer que, nessa perspectiva, uma mulher vai ser analisada a partir de critérios definidos pelos homens, que por muito tempo tiveram o domínio total das instituições culturais e sociais. Não é questão de guerra dos sexos, é uma realidade histórica que precisamos encarar dentro da nossa análise pessoal.


Nessa visão masculina milenar que construiu as bases psicológicas e relacionais do que vivemos ainda hoje (embora muita coisa esteja mudando), uma mulher seria bem qualificada se correspondesse aos seguintes critérios: beleza, juventude, submissão e procriação. Essas acabavam sendo as funções destinadas às mulheres nessa realidade não muito distante.


É por isso que observar o processo de envelhecimento físico acontecendo em nossos corpos carrega uma memória mais pesada do que a que a natureza propõe. Ele desperta a memória coletiva do abandono, do desprezo e do fim.


Nas tradições dos povos nativos americanos, no entanto, bem como na de diversas comunidades que já existiram um dia, a menopausa estava longe dessa subordinação masculina, e era enxergada como um processo positivo e misterioso de ciclicidade vida-morte-vida que era exclusividade do corpo das mulheres e na natureza.


Essa transição que a menopausa marca tirava a mulher do patamar comum e a colocava em uma posição de aconselhamento altamente respeitada.


Muito disso se perdeu, é certo; mas podemos resgatar agora. Cada vez que uma mulher muda a rota e assume o controle do que é controlável na sua própria vida, estamos reescrevendo a história e inventando novas possibilidades de vida para as que vêm depois de nós.


Assim como a puberdade, a menopausa é um rito de passagem, uma porta aberta para qualquer lugar que você se permitir ir. As mudanças hormonais são apenas a parte física do processo, no psíquico os móveis também estão mudando de lugar e essa é a sua chance de se autoconhecer e de se permitir a reinvenção.


3. A guardiã dos mistérios

Um estudo de 2021 demonstrou que 9 em cada 10 mulheres na menopausa veem a sua saúde mental prejudicada. A pesquisa foi desenvolvida no Reino Unido, pela clínica Newson Health.


De acordo com Carl G. Jung e a Psicologia Analítica, a neurose é o sofrimento da alma que ainda não descobriu o seu sentido. E é muito natural chegarmos aos 50 sem ter criado um sentido pessoal para nossas vidas.


Isso acontece porque no turbilhão do dia-a-dia, muitas de nós não tivemos tempo ou encorajamento suficiente de olhar em nossos olhos e nos fazermos a pergunta: “O que realmente importa?”, e nos programamos para receber o papel pré-estabelecido e socialmente aceitável de “vovó”.


Ser avó pode ser uma experiência maravilhosa e renovadora, mas vestir as roupas desse arquétipo permanentemente, não é o suficiente para viver. Isso é viver através dos outros: através da repetição da gestação que agora se instala no corpo da filha ou da nora, reviver a maternagem com menos responsabilidade e se remoçar com a alegria das crianças recém-chegadas ou com as conquistas profissionais e pessoais dos mais jovens.


Mas e você? O que fazer com o tempo que você ainda tem? Viver na perpétua espera da visita de alguém para se sentir viva? Uma vez ouvi falar que o sentimento de solidão pode indicar saudade de si mesma.


Se apegar ao passado é se ver faltosa, pois o que passou, passou. Mas se você olhar bem, vai ver que algo permaneceu: a sua história e a sua experiência precisam ser reconhecidas como um poder. Esse é o seu verdadeiro patrimônio e ele te lança para frente, não para trás. Então, o que você vai fazer agora?


“Ficar para a semente” é uma expressão utilizada de maneira pejorativa para se referir a mulheres maduras, como que se referisse a “ficar por último”, “ser deixada”, “ser tão velha que ainda não morreu ou que nem deus quer”. Essas são perspectivas muito ignorantes.


No entanto, Jean Shinoda Bolen nos ensina que essa pode ser uma metáfora para nossa capacidade de acumular sabedoria e polinizá-la aonde quer que vamos: “A semente é a portadora da informação, da concentração de nutrientes e da essência que garante a sobrevivência da espécie. São as sementes da sabedoria que temos e devemos transmitir”. É preciso ressignificar e florescer!


3.1. Aspectos da sabedoria interior

Como descobrir essa sabedoria inerente? Novamente, Jean Shinoda nos ajuda apresentando algumas deusas que podem te colocar em contato com a sua sabedoria interna arquetípica:



Prudência – a versão romana de Métis –, por Piero del Pollaiolo. O espelho funciona como um retrovisor que a possibilita aumentar seu campo de visão, sua consciência. A serpente é o antigo símbolo da sabedoria feminina.

3.1.1. Métis - A sabedoria da prudência

Métis é uma deusa grega da sabedoria, que existia antes mesmo de Zeus se tornar Zeus. Foi sua primeira esposa, quem forneceu a ele a base para se tornar o que se tornou. Sua sabedoria está relacionada à astúcia e à prudência, à capacidade medir seus atos e as consequências deles. Em diversos mitos, aparece como a conselheira do marido, até o momento em que ele a engole e absorve para si uma das primeiras características que o fariam “todo poderoso”: a astúcia da esposa.


Ela conseguia se transformar em qualquer coisa, o que fala da nossa possibilidade de reinvenção a cada nova fase da vida e nos lembra que um momento não é capaz de definir a história inteira de nossas vidas.


Jean Shinoda Bolen exemplifica esse arquétipo a partir da história da grande arqueóloga e professora Marija Gimbutas, autora das descobertas sobre as sociedades do neolítico que adoravam a Grande Deusa (descoberta, aliás, que muda inteiramente a forma como a História é contada). Após um período de instabilidade política, familiar e financeira durante a juventude (no qual a doutora em Arqueologia precisou trabalhar como faxineira), Marija conseguiu uma cadeira no corpo docente de Harvard e, depois, na UCLA e a maioria de seu prestígio profissional começou a surgir somente após os seus 40 e poucos anos.


Métis é o arquétipo ativo na pessoa precavida, que encara a realidade sem ilusões e, por isso, costuma estar um passo à frente. A fase de bonança não a deixa mole, bem como o tempo de tormentas não a endurece.


Pode ser uma grande mentora, na vida ou na profissão. Aliás, essa costuma ser uma das melhores fases da vida para o arquétipo Métis, quando acumulou informação e experiência suficientes para criar o seu próprio conhecimento, seu know how. Aí ela se torna imbatível, autêntica e – mais do que inteligente – sábia.



Virgem Maria, detalhe do painel de Jan van Eyck. O artista enxergava Maria como Sofia, a sabedoria divina dos gnósticos. Inscrição superior foi pinçada do Livro da Sabedoria, de Salomão, e se refere à Sofia: "Ela é mais bela do que o sol e o exército das estrelas; comparada à luz, ela é superior. Ela é verdadeiramente o reflexo da luz eterna e um espelho imaculado de Deus".

3.1.2. Sofia - A sabedoria do insight

Sofia é uma figura cristã oculta no Novo Testamento por trás da palavra “sabedoria” ou “sabedoria sagrada”, escritas em minúsculo. Para os cristãos gnósticos do primeiro século, perseguidos como hereges pelos bispos da Igreja, ela era uma figura divina importante. Ela era a experiência de Deus em aspectos distintos dos que vemos representados pelo dogma, pela teologia e pela filosofia moral, a parte da espiritualidade que pode ser codificada, institucionalizada e que fica detida no campo da mente e das elucubrações (o que costuma ser associado por alguns terapeutas e escritores ao princípio masculino).


Ao contrário, Sofia é a sabedoria do insight, do conhecimento interno, inerente e profundo. O que Jean Shinoda Bolen comparou com aquela sabedoria que sentimos “nos ossos”. Ela busca a relação entre o espírito e a matéria, percepções transcendentes e os sentidos espirituais e filosóficos da vida.


Esse arquétipo ativa o ímpeto de organizarmos nossas crenças e entrarmos em contato com nossos próprios sentimentos espirituais, estejam eles condensados numa congregação espiritual ou não.


Nos faz refletir também sobre uma espiritualidade feita sob medida e, por isso, nos leva a questionar: onde estão as mulheres dentro das religiões tradicionais? Por que, na maioria das vezes, não ocupam oficialmente papéis de liderança? Onde encontrar uma espiritualidade que contemple o feminino?


Esse arquétipo é sobre se abrir à experiência mística da vida e à introspecção.



The Night of Enitharmon's Joy (detalhe), quadro de William Blake que, anteriormente teria sido chamado de “Hécate”.

3.1.3. Hécate - A sabedoria da busca da verdade

Essa é uma deusa que passou muito tempo no ostracismo, mas que um movimento coletivo de mulheres hoje ressuscita com força, sobretudo nos estudos místicos da wiccanos. Por que será?


Hécate é uma deusa do tempo dos titãs que preservou poderes em todos os domínios mesmo após Zeus e os olímpicos destronarem os antigos regentes da vida e da morte. Os mitos pouco falam sobre ela. Ainda assim, deixou uma marca capaz de chegar até os dias atuais. Sendo citada nas obras de Shakespeare, em quadrinhos e na cultura pop.


Considerada a deusa das encruzilhadas, das bifurcações e dos caminhos a escolher, ela pode ser representada com três cabeças ou três corpos ao mesmo tempo: passado – presente – futuro. Isso se refere a nossa capacidade de testemunhar a nossa própria vida, em todos os tempos: aprender com as experiências passadas e conseguir prever os desdobramentos futuros. Quando ela chega, nos tira de fugas como a negação, a racionalização ou os vícios, que nos entorpecem da verdade. Ela nos obriga a encarar os padrões em nossa história e refletir sobre o nosso papel ali. Como nos levamos a esses lugares sombrios? As respostas muitas vezes aparecem em sonhos, sincronicidades e intuições, domínios dessa deusa.


Mais do que te levar a ver a verdade, ela vai te obrigar a escolher pela verdade, a sua verdade. O que vai te fazer transitar para uma nova vida. Não é à toa que Hécate era considerada uma parteira de almas. A partir do momento que você começa a se aproximar dos seus temas, a verdade te guiará e te libertará.


No mito do sequestro de Perséfone, é ela que dá o conselho à mãe desesperada em busca da filha: busque a verdade.



Retrato de Charlotta Sparre como uma vestal, de Donatien Nonotte.


3.1.4. Héstia - A sabedoria da presença

Quem conhece o arquétipo de Héstia como o fogo sagrado que aquece e ilumina a alma, jamais se sentirá sozinha, inadequada ou sem lugar. Sobretudo para quem vive o ninho vazio, despedidas ou até mesmo viuvez/ divórcio, esse é um verdadeiro presente.

Deusa do fogo sagrado, Héstia era a mais velha entre os seus irmãos. No entanto, as disputas por poder e paixões não eram a sua praia. É por isso que quase nunca aparece nos mitos gregos.


No entanto, ela era uma das deusas mais respeitadas pelos homens. No centro de cada casa, havia uma lareira com o fogo sagrado, repassado de mãe para filha na ocasião de seu matrimônio. Héstia é o que transforma uma casa em um lar, um corpo e um templo – um lugar de proteção e harmonia.


Jean Shinoda Bolen nos ajuda a refletir o papel importante que essa deusa tinha para os antigos: “Por muitos milênios, o fogo foi a única fonte de luz no escuro, a única maneira de cozinhar alimentos, a única fonte de calor no inverno; mantinha os animais selvagens afastados e as pessoas juntas. Pense no que significava para as pessoas ter fogo e como sem ele poderia ser frio, sombrio, desolador e até perigoso”.


Héstia é esse lugar na alma onde podemos encontrar um canto quentinho e acolhedor. E se você instiga essa chama, ela pode se tornar uma imensa fogueira: com um potencial que te acompanha a todo tempo e que se espalha para os que estão perto de você. Dessa forma, um grupo de pessoas pode se tornar família.


Para conseguir essa constância do arquétipo de Héstia, Shinoda lembra que muitas pessoas recorrem à meditação, uma vez que a palavra latina para lareira é focusfoco.

Prestar atenção aos pensamentos, se manter centrada e presente é uma característica dessa deusa. Ela é aquela pessoa que não cultiva dependência emocional e ama ter espaço para ser ela mesma. O que ela quer? Sossego!


3.2. Muito além da anciã e da vovozinha

As deusas da sabedoria têm muito a nos amparar no nosso caminho de autoconhecimento, mas fixar qualquer pessoa em um único papel – no caso, o da sábia – é aprisioná-la. A sabedoria deve ser sempre o pano de fundo para que as lições possam ser processadas, registradas e partilhadas, mas ainda existem outras categorias que Jean Shinoda Bolen considera imprescindíveis para amadurecer completa, livre e fazendo bem (a si mesma e aos que a rodeiam).


Essas deusas, segundo ela, nos aprofundam e nos ensinam, mas não nos fundamentam, como as deusas básicas que falam sobre a nossa personalidade.

Fizemos uma matéria sobre isso, clique aqui para ler!


Kali representada em arte de Raja Ravi Varma

3.2.1. Liberação da fúria transformativaKali

É muito comum encontrarmos em famílias que apoiam (mesmo que sem perceber) o discurso patriarcal, meninas que são criadas para expressarem nada de sua raiva. Ao menor sinal de fúria – mesmo quando ela é justificável –, a raiva feminina recebe o rótulo de loucura ou desequilíbrio.


Por isso, é natural que algumas mulheres pensem que estão ficando loucas quando finalmente – cansadas de aguentar algo injusto e desrespeitoso por tanto tempo – dão seu grito de liberdade em vez de reagir com a depressão, como de costume.


Jean Shinoda nos lembra que a raiva pode ser libertadora se for utilizada com sabedoria, sobretudo nessa fase da vida, em que já aguentamos tempo demais. Ela cita então a deusa hindu Kali, nascida da testa franzida de Durga (deusa do invencível). Kali destrói os demônios que pareciam indestrutíveis, mas se envenena com o sangue de seus inimigos. Sendo tomada pela ferocidade atroz, ela perde o controle. Seus sentidos voltam apenas quando encontra seu marido Shiva, que a lembra de quem ela realmente é.


Esse mito nos recorda de nos cercarmos de pessoas que lembrem de que devemos seguir as justas batalhas, e de que o ódio é apenas um excesso, que nos tira do controle.


Escolha as suas batalhas e lute por elas sempre que for necessário um pouco de fúria para proteger a si mesma e aos que precisam de ajuda. Mas o descontrole não é bem-vindo. Para muitos, Kali é adorada como uma mãe feroz e protetora.


Baubo de terracota encontrada em Anatólia. Foto: Wikicommons

3.2.2. Aprendendo a rir de si mesma - Baubo

Baubo é o aspecto obsceno da Grande Deusa presente em culturas muito antigas. Deusa do ventre, ela era representada muitas vezes com uma cabeça apoiada em cima dos órgãos genitais. Na mitologia grega, Baubo aparece como a criada de Metanira e Celeu, aquela que faz a deusa Deméter rir depois do sequestro de sua filha.


Baubo levanta suas saias em um gesto cômico e mostrando a sua vulva arranca uma gargalhada da mãe em sofrimento. Jean Shinoda diz que isso não se compara à graça hostil do ridículo, nem ao humor zombeteiro de uma simples piada obscena. A exposição da vulva indica que algo de mais profundo e significativo foi revelado.


Esse riso em meio à desgraça é o início de um processo de cura, de aceitação da realidade e de reconexão com a deusa nutridora e poderosa que somos e que devemos nos lembrar que somos se quisermos mudar o jogo. Ele alivia a carga de uma situação estressante ou faz o movimento contrário. Freud tem uma frase que diz que: “Brincando pode-se dizer de tudo, até mesmo a verdade”. Nesse caso, a risada funciona não como cicatrizante, mas nos leva a abertura de nossas profundezas, como quando amigas se reúnem e em meios a tantas brincadeiras e gargalhadas criam um espaço catártico para trocas sobre temas e traumas profundos.


Esse arquétipo revela que somos todas sobreviventes. E que, em meio ao luto e à dor, ainda podemos rir de nós mesmas, abrir mão do controle e, paradoxalmente, reassumir nosso poder interno, chegando à sábia conclusão de que: “assim é a vida,... e apesar de tudo ainda posso rir”.



Kuan-Yin. Imagem: Wikicommons/ Günter-Trageser

3.2.3. Exercitando a compaixãoKuan Yin

Kuan Yin é um bodhisattva, uma entidade iluminada do budismo, uma energia que pode ser desperta em qualquer pessoa, como um arquétipo. Ela é venerada na Ásia Oriental e incorpora valores de generosidade, compaixão e empatia. Kuan Yin ouve as dores do mundo.


Ser empático é ser capaz de se colocar na pele do outro e sentir sua angústia. Ter compaixão é o impulso de ação em direção a aliviar seu sofrimento.


No mundo em que vivemos, a compaixão é uma das virtudes mais em falta. Temos medo daqueles que estão ao nosso lado e por isso nos fechamos a eles, e temos também uma visão de que aliviar o sofrimento alheio é uma fraqueza, pois a mentalidade vigente é a da dominação e da comparação.


Por outro lado, há que se ter muito cuidado ainda para não confundir compaixão com codependência. A codependência se manifesta gerando essa confusão quando, em uma relação com alguém de personalidade narcisista, o codependente pensa que o que percebe ou sente não importa, uma vez que tem que estar lá para o parceiro(a), vivendo em um simbiotismo que o anula. Será que você vive um relacionamento simbiótico?


Se anular em nome de alguém, não é compaixão. É por isso que o ego (em linguagem psicanalítica) precisa estar bem desenvolvido para que essa pessoa não se torne um mártir, no lugar de uma luz constante no mundo. Quem articula os arquétipos de sabedoria com o de Kuan Yin consegue chegar ao cerne da questão e oferecer a escuta acolhedora, a bondade-amorosa e a receptividade às dores do outro e às próprias. Quando ouvimos uma história que está além da nossa experiência e compreensão, aí está uma grande oportunidade de nos tornarmos “maiores”, afirma Shinoda Bolen.



Arte: Tapeçaria de 1520, parte do acervo do Victoria and Albert Museum, Londres.

3.2.4. Compreendendo o tempo e a natureza da realidade Moiras

As moiras dos gregos antigos, assim como a deusa hindu Maya, as deusas nornas da mitologia nórdica ou as parcas dos romanos representam um mito que existiu em muitas culturas, o mito das tecelãs do universo.


Segundo ele, a vida de cada ser era um fio fabricado, tecido e, por fim, cortado, por três deusas primordiais que existiam desde o início dos tempos. Elas usavam para isso a roda da fortuna, um tear, e cada alto e baixo da vida seria uma volta no aro da roda, capaz de criar unidade e coesão entre os fios.


A realidade, nesse sentido, nunca é uma coisa só. Estamos vendo as coisas da perspectiva de um único fio, mas todos eles estão entrelaçados para formar um tecido só. As histórias de todos estão em contato com as nossas histórias, o que faz cair por terra a falácia de estarmos sós e isolados dos outros.


Ativar esse arquétipo é compreender os movimentos do tempo e os entrelaces das linhas como a verdadeira magia da vida e perceber que dentro de nós temos nossas próprias moiras, capazes de criar – sempre dentro daquilo que nos é possível – o chamado destino.


Agora é que a sua viagem realmente começa! Se você se sentiu sozinha um dia, vai descobrir que você é um milhão de deusas e despertá-las vai te levar ao início: à (re)descoberta e à (re)invenção de quem você é e, com certeza, ao início de uma nova fase na sua vida (e por que não a melhor?).


“Cada fase faz parte de um ciclo, expressão da dança da vida. Quando nos lembramos de nossa divindade e não apenas de nossa mortalidade, sabemos que tudo o que acontece faz parte da vida e fazemos parte de uma dança divina. O perigo de ser mortal é esquecer isso” – Jean Shinoda Bolen.


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Referência:

As Deusas e a Mulher Madura: arquétipos nas mulheres com mais de cinquenta, Jean Shinoda Bolen.

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