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Você já ficou “enfezado” diante de algum episódio estressante? Sentiu “frio na barriga” por ansiedade? Fezes e barriga são dois elementos atrelados ao nosso processo de digestão. Mas o que isso tem a ver com o nosso estado emocional?
A linguagem popular desde muito tempo vem apontando essa relação e, antes mesmo dessas expressões serem inventadas, filosofias ancestrais como a hinduísta e a budista também seguiam por esse caminho. De acordo com eles, existe um vórtice de energia localizado dois dedos acima do umbigo capaz de reger todos os órgãos ao redor dele. Esse chakra (como é chamado o vórtice) chama-se Chakra do Plexo Solar, e dois dedos acima do umbigo é o mesmo endereço ocupado pelo intestino, é ali que ele começa.
Energeticamente falando, o plexo solar seria o responsável por nossa atitude e motivação na vida. Exatamente o que uma pesquisa desenvolvida na Universidade College Cork, na Irlanda, descobriu em 2011 o realizar uma uma experiência com camundongos em um laboratório!
Basicamente, o experimento lidava com roedores portadores de traços depressivos. Uma parte desses ratinhos tinham, então, sua flora intestinal tratada por algumas semanas com o uso de probióticos (alimentos que contêm seus próprios microorganismos vivos, como o iogurte). Depois desse tratamento, os pesquisadores colocaram os camundongos para nadar numa bacia bem funda, expondo-os ao risco de se afogarem. O que aconteceu? Os ratos que receberam esse tratamento intestinal lutavam com mais disposição, por mais tempo e com mais força para se salvarem. Eles tinham mais motivação para viver. Em oposição, os que não receberam alimentação com probióticos, não tinham muito ânimo em lutar pelas próprias vidas.
Está tudo conectado: o intestino e o resto do corpo
Essa não foi a primeira, nem tampouco a única, das pesquisas e observações que associam a saúde do intestino à saúde de outras partes do organismo, em especial à saúde mental.
Na primeira metade do século XX, Sir Arbuthnot Lane era o cirurgião do rei da Inglaterra, especialista em amputar partes doentes do intestino de seus pacientes a fim de que o órgão recuperasse assim o seu funcionamento saudável. Ele foi um dos primeiros a notar que, passados alguns meses desses procedimentos cirúrgicos, seus pacientes também se curavam de doenças que aparentemente não tinham nenhuma relação com o intestino, como artrite e bócio.
Também nesse início de século, o químico George Porter Phillips observou algo que parecia uma coincidência: seus pacientes que sofriam de melancolia, sofriam também constipação severa. Com base nessa conexão, Phillips resolveu testar um palpite: é possível aliviar a depressão tratando do intestino. Ele alimentou 18 desses pacientes com uma nova proposta de dieta: poucas calorias, carne apenas de peixe e kefir (um probiótico lácteo fermentado). Por fim, 11 foram curados e outros 2 apresentaram melhoras significativas no grau de melancolia.
Além da melancolia e da depressão, a esquizofrenia já foi cientificamente relacionada com uma flora intestinal empobrecida; o autismo com a ausência da flora bacteriana; e o males de Parkinson e o Alzheimer com uma destruição dos neurônios intestinais que progrediria até o cérebro, destruindo neurônios por lá também.
Você tem um “segundo cérebro”
Mas, afinal, o que é o intestino e porque ele tem todo esse poder?
O intestino é um órgão conhecido por atuar na terceira etapa do processo de digestão dos nossos alimentos, que entram pela boca, passam pelo estômago (onde acontece a maior parte da digestão), e aí chegam ao intestino, onde os nutrientes dos alimentos que comemos serão absorvidos e uma outra parte será eliminada no bolo fecal. Ele parece uma réplica do cérebro, só que maior. Se fosse aberto e esticado ocuparia o tamanho de uma quadra de tênis, 250 metros quadrados. No entanto, está tudo bem dobradinho e guardado dentro de você.
Com toda essa área dando sopa, é claro que a natureza ia se encarregar de ocupar. Calcula-se que cerca de 100 trilhões de bactérias e 500 milhões de neurônios habitam a região.
"O sistema nervoso e o sistema gastrointestinal estão interligados em vários aspectos. É comum pacientes se queixarem nas consultas que sentem diversos sintomas sob circunstâncias de estresse, ansiedade e cansaço" - Mariana Scarlatelli, médica.
Toda essa quantidade de neurônios é o que possibilita a relação comentada acima entre o intestino e a sua saúde mental. A médica Mariana Scarlatelli, especialista em gastroenterologia e doenças do fígado, aponta o trato gastrointestinal como um verdadeiro “segundo cérebro”, e destaca que a “neurogastroenterologia” é uma especialidade em alta na atualidade. “O sistema nervoso e o sistema gastrointestinal estão interligados em vários aspectos. É comum pacientes se queixarem nas consultas que sentem diversos sintomas sob circunstâncias de estresse, ansiedade e cansaço. Da mesma forma, todo o trato gastrointestinal exibe uma rica estrutura neurológica de regulação, com diversos ‘neurônios’, que interage diretamente com comandos centrais do corpo, além de produção de neurotransmissores, regendo esse segmento do organismo”, explica ela.
Mariana Scarlatelli é médica (CRM/ES 13975) e especialista em gastroenterologista e doenças do fígado (RQE 10.407)
Dessa maneira, há um diálogo constante entre o intestino e o cérebro, com um podendo afetar o outro. É uma via de mão-dupla. O seu estresse, ansiedade, tristeza e cansaço afetam a saúde do seu intestino, assim como a saúde do seu intestino pode refletir em seus comportamentos e em como você reage frente à vida.
Um exemplo disso é a serotonina. A serotonina, conhecida como a responsável pela sensação de bem-estar, é um dos neurotransmissores de que a Dra. Mariana Scarlatelli mencionou. Noventa por cento (90%) da serotonina que circula em nosso organismo é produzida no intestino e afeta o cérebro. Logo, quando o intestino funciona bem, maior deve ser a produção de serotonina enviada ao cérebro e, consequentemente, mais frequente será a nossa sensação de bem-estar.
A comunicação intestino-mente é tão forte que alguns médicos alegam que se você comer algo que imagina que não te fará bem, certamente o intestino acreditará na mensagem e tal alimento realmente desencadeará uma reação negativa.
Há seres minúsculos morando dentro de você
Não é só na saúde mental que o intestino ocupa um papel importante. Ele também está associado a doenças comuns, como a gripe. Cerca de 70% das células do nosso sistema imunológico vivem no intestino, e a consequência disso é que um intestino debilitado é sinal de um corpo vulnerável.
Para reverter isso, é preciso acionar uma boa equipe de ajudantes: as bactérias. De nome elas podem assustar um pouco, mas saiba que nem todas as bactérias são ruins, inclusive, muitas agem como verdadeiros anjos-da-guarda nos protegendo de infecções e ajudando a regular todo o organismo.
Há quem considere que algumas bactérias são o primeiro presente que a mãe dá ao filho. Saindo de um ambiente esterilizado como é o da placenta, os bebês são banhados em um mar de bactérias ao passar pela flora vaginal durante o parto normal. Os que nascem de cesarianas, entram em contato com um número mais reduzido delas, apenas através dos micróbios presentes na pele materna. É comprovado que essas colônias de micro-organismos serão vitais para os sistemas digestivo, metabólico e imunológico da criança. Independente da quantidade de presentes-bactéria que o bebê receba da mãe, nada é permanente, e essa flora bacteriana vai se modificar, precisando ser mantida durante a vida por meio da alimentação.
A nada mole vida das bactérias do bem
Alguns alimentos, no entanto, sobretudo os refinados e ricos em aditivos químicos, têm uma digestão muito difícil de ser feita e acabam acumulando uma camada espessa nas paredes do intestino, dificultando seus processos biológicos. A isso, inclua também o fato de que o estresse é um fator que provoca alteração dessas paredes, o que ocasiona contrações excessivas ou insuficientes.
Tudo isso levou o médico e professor alemão Arnold Ehret a alegar, ainda no século XIX, que muitas pessoas carregam dentro de si, desde a infância, vários quilos de substâncias que nunca foram eliminadas.
A gastroenterologista Mariana Scaratelli alerta: “podemos dizer que a má alimentação, o sedentarismo, o excesso de ansiedade e os hábitos de vida com níveis elevados de estresse são os piores inimigos de uma boa saúde intestinal, incluindo-se nesse grupo excesso de álcool e fumo.” Tais hábitos abrem espaço para que as bactérias ruins se proliferem, dizimando as populações de bactérias boas e desequilibrando a paz no intestino e, consequentemente, no seu corpo inteiro.
“A saúde intestinal depende de um bom equilíbrio entre os demais sistemas do nosso organismo. É importante que tudo esteja em harmonia para que funcione corretamente”, reitera a doutora. “Devemos manter uma boa alimentação com ingesta adequada de fibras e líquidos, além da prática de atividades físicas regulares. Além disso, o sistema nervoso também tem papel fundamental, portanto manter uma saúde mental equilibrada, com redução do estresse diário, controle de ansiedade e sono adequado contribuem”.
Como perceber que há algo errado?
Quando os vilões estão em maioria no nosso intestino, podemos identificar observando o nosso próprio corpo. Alguns médicos apontam que quando o intestino está carregado de impurezas, o reflexo disso são inflamações na pele como cravos, espinhas e furúnculos. Mas isso não é regra.
Mariana Scarlatelli alerta para a observação dos nossos hábitos intestinais. Segundo ela, diarreia ou constipação, fezes ressecadas e esforço para evacuar, dores abdominais, distensão excessiva com gases que geram desconforto e flatulência podem traduzir um mau funcionamento intestinal. Neste caso, a ingestão de líquidos e fibras pode ajudar, mas é recomendável uma investigação médica adicional, além do tratamento individualizado para cada sintoma.
De acordo com a médica, esses sintomas podem estar relacionados à doença diverticular, disbiose (desequilíbrio da flora intestinal, que leva a alterações como diarreia, constipação, alergias alimentares, infecções intestinais) e até mesmo câncer colorretal. Portanto, não se automedique. Procure um médico!
Abaixo, você encontra algumas dicas para ficar bem longe desse tipo de problema. Conheça o seu corpo e cuide-se. Seu corpo é a sua morada!
Como cuidar do intestino?
Empodere as boas bactérias que vivem nele!
Adicione uma variedade maior de frutas, vegetais e cores maior e sua alimentação. Quanto maior a variedade de alimentos saudáveis, maior é a diversidade do microbioma!
São os chamados prebióticos. Mariana Scarlatelli explica que os prebióticos são componentes alimentares não digeríveis (fibras), presentes em alimentos como aveia, semente de linhaça, farelo de trigo e vegetais, como aspargos, alho-poró, cebola e alho. “São literalmente alimento para as bactérias da nossa flora intestinal, estimulam as bactérias desejáveis ao intestino”.
Colonize o seu intestino com muita bactéria boa e elas expulsarão as nocivas!
“Os probióticos são as próprias bactérias em si, como por exemplo lactobacilos, que atuam na absorção de vitaminas, boa função intestinal (atuando inclusive na prevenção do câncer colorretal) e na função imune, ajudando na proteção contra bactérias e outros microorganismos indesejáveis ao intestino”, lembra a médica. Eles podem ser encontrados em produtos como iogurtes e leites fermentados que contenham uma taxa maior desses micro-organismos. Mariana recomenda que sejam ingeridos à noite, mantendo-se um período de jejum após a ingesta. O consumo dos prebióticos e probióticos deve ser feito sob prescrição orientada por profissional especializado sempre.
Beba água!
A água ajuda a hidratar o bolo fecal, favorecendo também os movimentos do processo digestivo e a expulsão do que não tem utilidade para o corpo.
Reduza o consumo de industrializados
Vale lembrar que produtos refinados e com aditivos químicos criam uma camada espessa que impede o funcionamento normal do intestino.
Evite o álcool!
O consumo frequente de álcool altera a composição da flora intestinal e a permeabilidade da mucosa intestinal, permitindo que bactérias nocivas afetem o organismo de modo mais direto.
Viva equilibradamente e reduza o seu nível de estresse
Práticas de relaxamento, mindfulness e meditação podem ajudar, bem como atividades físicas como a ioga.
Para a Dra. Mariana Scarlatelli, “o grande segredo é o equilíbrio. Mantendo esses hábitos e procurando orientações com especialistas, é possível manter um intestino saudável com grande qualidade de vida”.
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