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A Era sem fogo: tudo o que você precisa saber sobre o crudivorismo

Este texto foi publicado originalmente na Revista Inspira, edição #1, junho de 2019.



Imagine a cozinha da sua casa! Agora retire desta cena todo tipo de eletrodoméstico capaz de esquentar a sua comida: fogão, forninho, micro-ondas, fritadeira elétrica, misteira etc. Por fim, responda: qual será o seu cardápio do dia para as três principais refeições?


Essa pergunta lhe pegou de surpresa? Antes de descobrirem que o atrito entre pedras ou gravetos gerava o fogo – o que aconteceu no período neolítico, entre 400 mil e 1 milhão de anos atrás –, os hominídeos viviam da coleta de frutos silvestres e, em menor grau, da caça de animais de pequeno porte, que eram ambos consumidos crus.


Estima-se que essa rotina durou cerca de alguns milhões de anos, embora tudo nesse campo não passe de suposições científicas, uma vez que carecemos de maiores evidências arqueológicas e antropológicas dessa época.


Dominar o fogo simbolizou para esse ancestral uma nova forma de viver. A partir daí ele podia se aquecer do frio, afastar animais selvagens, acabar com a escuridão noturna e cozinhar. Charles Darwin, o famoso naturalista britânico conhecido por seu papel na biologia evolucionista, afirmou que depois da linguagem, dominar o fogo foi certamente a maior descoberta da humanidade.


Cozida, a carne demorava a apodrecer e os nutrientes vegetais seriam melhor assimilados, aumentando a capacidade nutritiva e fazendo com que o pouco que comiam vivendo da coleta e da caça fosse o suficiente, a quantidade de calorias diária necessária. Antes da descoberta da agricultura (que aconteceu entre 10.000 e 12.000 anos atrás) e da consequente sedentarização humana – quando passamos a nos fixar em um lugar –, éramos grupos nômades em busca de comida, e nem sempre a natureza era generosa em oferecer grandes quantidades de frutos comestíveis, por exemplo.


Para alguns cientistas, essa reserva de energia possibilitada pela comida cozida teria fornecido as calorias necessárias que fizeram com que o cérebro humano se expandisse e, consequentemente, aumentasse a nossa capacidade de raciocínio. Na Universidade de Harvard, ainda hoje, pesquisadores tentam testar essa tese de que a relativa inteligência que temos tem conexões com a comida cozida.


Para o nutricionista Eduardo Corassa, no entanto, sua capacidade mental nunca esteve melhor. Sem comer nada cozido há quase 13 anos, sua dieta é vegana, composta majoritariamente por frutas e vegetais crus, e a capacidade cognitiva é apenas um dos melhoramentos que ele observou em sua experiência pessoal. Ele adiciona ainda: “uma incapacidade de ficar doente, uma sensação de bem-estar e capacidade física extremamente elevados, e a felicidade de comer quilos e quilos de comida e nunca engordar”.


Eduardo é um dos principais representantes de um movimento alimentar ambientalista que tem ganhado força no Brasil: o crudivorismo ou frugivorismo. Em seu canal de YouTube, o Saúde Frugal, ele reúne mais de 68 mil seguidores que buscam por informações constantes a respeito desse tipo de alimentação, sobre a qual Corassa advoga utilizando seus conhecimentos de formação com base em estudos científicos e experiência própria.


A história pessoal do nutricionista com o crudivorismo foi o que o motivou a querer compartilhá-la com um público massivo na internet. “Foi o que salvou a minha vida e é o que motiva ao trabalho com o Saúde Frugal. Eu era diabético, precisava fazer duas cirurgias, eu era uma criança bem doente e ao adotar o crudivorismo aos 22 anos foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Tem 12 anos que eu não tenho nenhuma dor de garganta, um espirro, uma tosse”, nos conta.


Apesar do tom apaixonado, Eduardo é consciente em lembrar que saúde não se faz apenas com alimentação, mas com um “estilo de vida” saudável, o que para ele e para os higienistas naturais (sistema de saúde que segue) compreende: “dormir cedo, pegar sol, praticar atividade física, evitar estresse, comer alimentos adaptados à nossa espécie, fazer jejum”, entre outras coisas.


A premissa dos crudívoros é de que a cocção dos vegetais e frutas destrói nutrientes essenciais e enzimas que ajudariam em nossa digestão. Dessa forma, a única temperatura que eles acham válida é até 40ºC, um calor próximo do que pode ser suportado pela pele humana, o considerado “morno”. Uma temperatura maior do que isso, de acordo com essa postura alimentar, mataria a vida existente no alimento e o tornaria incapaz de nos fornecer vitalidade.


Corassa nos explica o que acontece com o alimento durante o cozimento: “Se você cozinha o alimento, se você tem a reação de Maillard, isso produz 420 substâncias tóxicas (cancerígenas, mutagênicas, citotóxicas, ceratogênicas, clastogênicas e pró-inflamatórias), assim como a perda de nutrientes. Tem, talvez, a melhora da biodisponibilidade de um ou outro nutriente como o licopeno, a vitamina A e o betacaroteno, mas ainda assim é insensato”.


A reação de Maillard, mencionada por ele, é um processo comum ao assar pães e carnes, por exemplo, sendo responsável por dar o aspecto dourado ou tostado de algumas receitas. Para que ele ocorra devem haver carboidratos, aminoácidos ou proteínas (que são cadeias de aminoácidos) e uma temperatura de 120ºC ou mais. Ou seja, não é nada incomum para quem consome uma dieta cozida.


As alegações dos crudívoros incluem o argumento de que em meio a mais de 700 mil espécies de animais existentes na natureza, somos a única que cozinha seus alimentos e a única que sofre com doenças degenerativas. “Cansei de ouvir as recomendações usuais porque percebi que você não fica melhor. Então busquei, pesquisei, achei que fazia todo o sentido, né? Há 700 mil espécies no planeta que vivem de comida crua, só o ser humano cozinha e morre de doenças crônicas degenerativas. Então fez muito sentido, já que nós somos classificados pela biologia como primatas antropoides e todos os primatas antropoides na natureza, a antropologia indica, vivemos de fruta durante 8 milhões de anos”, explica Eduardo Corassa.


"Qualquer alimento que precisa ser consumido cozido, não é um alimento natural à espécie humana" - Eduardo Corassa

Se você até agora está completamente enojado pensando que eles consomem carnes cruas ou empolgado supondo que vivem de sushis, carpaccio ou ceviche, se enganou. Diferente da famosa dieta paleolítica, que nos últimos anos foi muito comentada no segmento fitness ao também proporcionar uma releitura da nossa natureza pré-histórica; na alimentação crudívora, a carne e os seus derivados são excluídos. Só se come frutas e vegetais crus e, em alguns casos, sementes germinadas, fermentados naturais e desidratados. Alimentos industrializados também ficam de fora.


Apesar de nascidos da terra, tubérculos, como a batata e grãos como o arroz e o feijão também não entram no cardápio crudívoro. “Qualquer tipo de alimento que precisa ser consumido cozido, não é um alimento natural à espécie humana. Um chimpanzé pigmeu, mais especificamente o bonobo, compartilha 99,3% do nosso material genético e ele não come batata, arroz, feijão, vaca...Ainda mais cozidos, né”, exemplifica o nutricionista crudívoro.


Eduardo Corassa é nutricionista e crudívoro há mais de uma década. Autor de livros, ele também divulga o tema no canal de YouTube Saúde Frugal

Foto: Divulgação/ Saúde Frugal


Perguntado se havia alguma contraindicação ao crudivorismo, Corassa responde negativamente. “Todos nós nascemos crudívoros, a gente escolhe não permanecer crudívoro ao queimar nossa comida e chamá-la com o eufemismo de ‘comida cozida’”, define ele. “Existem contraindicações quanto a queimar a sua comida. Por exemplo, algumas das toxinas formadas pelo cozimento são relacionadas à câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, endometriose, síndrome do ovário policístico, doenças autoimunes e por aí vai. Até onde eu sei na literatura, eu desconheço qualquer contraindicação contra uma dieta crua”, pontua o nutricionista.


Que frutas e vegetais são sinônimo de saúde não é novidade para ninguém. Fomos educados com puxões de orelha que diziam “coma mais vegetais” e as saladas sempre foram a refeição intuitivamente mais procurada por quem quer levar um estilo de vida saudável. De fato, um estudo encomendado pela Organização Mundial da Saúde, realizado com mais de 60 mil pessoas, revelou que o consumo de legumes é o grande responsável por uma boa saúde, seguido pelas verduras e frutas. Além disso, o Ministério da Saúde do Brasil recomenda a preferência por alimentos in natura, frescos e de conhecida procedência, em detrimento dos alimentos industrializados.


Com base nessa noção simples e consolidada de que vegetais são bons para a saúde, Eduardo Corassa defende o crudivorismo, enquadra sua prática dentro dos parâmetros científicos e afirma não discernir das recomendações usuais do CRN (Conselho Regional de Nutrição). “Por uma perspectiva acadêmica, frutas e vegetais crus são inversamente correlacionados a todo tipo de doença crônica degenerativa. Até mesmo fruta é inversamente correlacionado à diabetes. Quando as pessoas pensam que seria o causador”, aponta.


O que é um alimento?

Uma face mais new wave (que de “new” não tem nada) da filosofia crudívora leva a enxergar o alimento para além: como uma fonte de vida que fornece vida para outros seres vivos. Dessa forma, não se come nada que tenha relação com a morte. É a chamada alimentação viva, que enxerga as sementes das plantas germinadas como potências de nova vida entrando em nossos organismos e modificando-nos por inteiro.


Na alimentação viva, o alimento passa a ser compreendido como fonte de “energia vital”. Ele não é apenas o responsável por manter-nos vivos, como também ativa e regenera a vida. Ele é vida.


Essa filosofia alimentar foi sendo mantida pela tradição oral naturalista ao longo dos tempos. Foi no início do século XX que o médico higienista francês Edmond Székely traduziu os pergaminhos do Evangelho Essênio da Paz escrito originalmente em aramaico pelo apóstolo João. Os essênios eram um grupo messiânico do movimento judaico que foi fundado em meados do século 2 antes de Cristo nas proximidades do que hoje é a Cisjordânia. Esse povo acreditava em rituais de purificação e sua alimentação era basicamente frutas e legumes crus.


Székely propôs então um renascimento dessas práticas no mundo ocidental, criando o movimento dos novos essênios da paz e, como contribuição, classificou os alimentos em quatro grupos:


Biogênicos (que favorecem a regeneração da vida): sementes germinadas e brotos.

Bioativos (ativam a vida, por serem plantas que ainda manterem a vitalidade): frutas, legumes, verduras frescas e cruas.

Bioestáticos (mantém a vida): alimentos cozidos, congelados e refinados.

Biocídicos (consomem a vida): alimentos com produtos químicos ou radiações, conservantes e aromatizantes.


Essa abordagem mais espiritualista do alimento perpassa ainda filosofias antigas como a indiana, que mencionava que os alimentos naturais possuem prana; e a chinesa, que trabalha com a noção de chi. A necessidade de ressignificação do alimento nos dias atuais é abordada como um ato de transformação do coletivo no Livro Vivo, disponibilizado on-line pelo projeto Terrapia, que integra os Programas Fiocruz Saudável. O livro, bem como o projeto, populariza muitas informações teóricas e práticas sobre a alimentação viva.


“A Terra é um ser vivo do qual somos o sistema nervoso"

Por que o que você come teria a ver com transformações a nível coletivo?


O pesquisador e ambientalista James Lovelock, inventor de muitos dos instrumentos científicos utilizados pela Nasa para análise de atmosferas extraterrestres e superfície de planetas, inventou também uma polêmica hipótese de que nosso planeta seria um ser vivo.


A conclusão pode parecer fantasiosa para quem não entende que Lovelock, na verdade, estava se utilizando de uma metáfora, muito embora ele mesmo tenha afirmado em entrevistas que a biologia precise rever e ampliar o conceito de “vida”. A conclusão à qual o pesquisador chegou ainda nos anos 1960 analisando, à distância, a vida em Marte foi a de que a composição química da atmosfera desse planeta está morta, isto é, sem muita atividade, em um equilíbrio químico; enquanto a da Terra está viva, com uma química desequilibrada, o que é um indício da existência da vida.


Para ele, “a Terra é um ser vivo do qual somos o sistema nervoso” e com uma “retirada sustentável” conseguiríamos cuidar de sua saúde debilitada e do prognóstico que o autor faz para o futuro do planeta com os avanços do aquecimento global.


De acordo com o Livro Vivo do projeto Terrapia, iniciativa de conscientização sobre a alimentação viva: “Nossa maior contribuição ambiental é a saúde de nosso corpo! Ao se alimentar dos produtos da terra ecologicamente cultivados, e criando hábitos que promovam a sustentabilidade do solo, estamos contribuindo para a preservação da vida, seguindo a máxima: solo sadio, planta sadia, homem sadio!”. Se o homem e o planeta fazem parte de um mesmo organismo, a medicina e a ecologia devem andar de mãos dadas, pois uma desencadeia reflexos na outra.


Eduardo Corassa também acredita no potencial transformador do crudivorismo, segundo ele: “Uma dieta crua baseada em frutas e vegetais. Esse tipo de alimentação é a solução para o planeta. É uma forma da gente reverter todos os problemas criados pela raça humana”.


Sobre a capacidade de transformação social e ambiental da alimentação crua ainda não há muitas pesquisas, mas em 2016, pesquisadores da Universidade de Oxford revelaram os resultados de um estudo que levantava os impactos de diferentes dietas na saúde das pessoas e no meio ambiente simulando o ano de 2050, um futuro bem próximo (clique aqui para ler o artigo em inglês).


As dietas em questão eram: a atual; a que segue as diretrizes globais para uma alimentação saudável; a ovo-lacto-vegetariana; e a vegetariana estrita. Entre elas, a vegetariana estrita (vegana) foi a que apresentou os melhores resultados. Ela poderia salvar até 8 milhões de vidas humanas por ano, contribuiria para os cofres públicos em economia com saúde pública, reduziria as emissões de gases de efeito estufa e pouparia U$1,5 trilhão de dólares com danos oriundos do aquecimento global. Os resultados ainda mostraram que o maior motivo para a redução da mortalidade seria o menor consumo de carne vermelha e, em segundo lugar, o maior consumo de frutas e vegetais.


"A alimentação frugívora e o estilo de vida saudável revolucionaram a minha vida e a minha saúde" - Nanda Cury

Vivendo no paraíso

“A alimentação frugívora e o estilo de vida saudável revolucionaram a minha vida e a minha saúde. Basicamente vivencio saúde plena, sinto muita energia e mais disposição e que a cada dia o meu corpo está se desintoxicando. A conexão com a natureza também foi potencializada”. Esse é o depoimento da especialista em marketing digital Nanda Cury, vegana há seis anos e frugívora/crudívora há dois.


Há alguns anos, sua irmã recebeu um diagnóstico de câncer. Nanda, então, começou a pesquisar formas naturais de prevenir e tratar o câncer. “Descobri um nutricionista brasileiro e crudívoro no Youtube e várias pessoas que se curaram de inúmeras doenças, inclusive câncer, com esse tipo de alimentação”, relembra. O nutricionista em questão foi o próprio Corassa. Disposta a tentar, Nanda Cury adotou o crudivorismo como uma forma de inspirar a irmã a fazer uma mudança na alimentação.


Hoje, sua irmã está bem, também virou vegana, mas não crudívora. A inspiração que queria levar à irmã, chega aos quase 23 mil seguidores que a acompanham diariamente em seu perfil no Instagram. “Foi uma mudança tão profunda que hoje me sinto inspirada a compartilhar dicas e as informações sobre estilo de vida para que mais pessoas possam vivenciar os benefícios”, declara a influenciadora que, em 2018, foi reconhecida pela vice-presidente do Google Maps como uma influenciadora relevante, que gera impacto social positivo por conta de seu ativismo em prol da causa vegana.


No dia 22 de abril de 2018, Dia Internacional da Terra, Nanda colocou em ação o projeto PicNic Frugi. Sua ideia era reunir pessoas em um parque para compartilhar frutas, vegetais e informações sobre a alimentação natural vegana, além do desafio de gerar zero lixo. Próximos à natureza, Nanda planta a semente do crudivorismo entre os participantes. Esse projeto colaborativo já passou por Salvador, São Paulo, Santos, Rio de Janeiro e São Francisco (Estados Unidos) e cada vez reúne mais interessados.



Nanda Cury é adepta do frugivorismo há anos, idealizadora do PicNic Frugi e autora do e-book Guia da Semana Frugi

Foto: Carol Cury


Na experiência de Nanda, o frugivorismo significou a “cura e redução de diversos sintomas e desequilíbrios, como ansiedade, compulsão alimentar, depressão, gastrite, alergia, pele seca”, enumera ela.


Eduardo Corassa, em sua experiência profissional como nutricionista, também observa histórias como a dele e a de Nanda se repetirem. “Eu vejo pacientes até mesmo com diabetes tipo 1, que é considerada uma doença autoimune irreversível, adotando uma dieta de frutas e praticamente revertendo a doença. Eu já vi cânceres terminais, e coisas do gênero, onde as pessoas estão vivas e saudáveis 20, 30, 40 anos depois. Já ouvi relatos, histórias e conheci pessoas”, comenta ele.


Sem o arroz com feijão, o que nos resta?

Com o arroz e o feijão de cada dia fora do cardápio, você pode estar pensando: o que eles comem? Bem, Eduardo Corassa revela que chega a comer até 6 quilos de comida em um dia.


“Grãos são acidificantes, contêm excesso de proteína e são literalmente comida de pássaro. Pássaros são adaptados à grãos, não os primatas antropoides. Nós não fomos feitos para o consumo deles. Tanto é que a gente precisa temperar, germinar e fazer vários processos”, informa o nutricionista explicando o motivo de feijão e arroz não serem condizentes com a dieta crudívora.


No dia a dia, a alimentação de Corassa, por exemplo, consiste em consumir os vegetais da época, que costumam também estar mais baratos no mercado: “Então, é basicamente sempre fruta e vegetal. Oleaginosas, cenoura e beterraba, esporadicamente. Às vezes, uma ervilha e um cogumelo. A base mesmo é fruta e vegetal. Como grandes quantidades de fruta ao longo do dia e uma imensa salada durante a noite”, resume.


Já para Nanda Cury, em sua rotina não pode faltar couve e banana. “Eu como couve, quase todos os dias, porque é dos vegetais mais baratos e fáceis de encontrar. Vegetais verde-escuros têm bastante ferro. Em casa sempre tem banana. É uma fruta versátil, que combina com muitas outras, dá para comer in natura e para preparar de várias formas”, explica.


Quando Nanda menciona “preparar”, ela está se referindo a receitas cruas. Não se trata apenas de descascar os alimentos e ingerí-los. Em alguns casos, nossa ligação afetiva com a comida demanda que possamos comer algo parecido com o que comíamos antes, tendo a mesma forma, textura e sabor de bolos, sorvetes, macarronadas, pizzas, sopas e outros pratos.


Algumas outras receitas, já estamos acostumados a consumir integralmente cruas e nem sequer pensamos que já estamos inserindo alimentação crua na dieta. É o caso de molhos como como a guacamole, saladas, sucos e vitaminas. Existem diversas receitas no YouTube. Eduardo Corassa tem dois livros sobre o tema, o Crulinária Frugal, nas versões receitas salgadas e sobremesas. Recentemente, Nanda Cury lançou um e-book. O Guia da Semana Frugi, como foi intitulado, traz dicas, informações e receitas, para inspirar quem deseja testar uma semana frugívora e incluir mais frutos e vegetais, de forma saborosa, na alimentação.


Em um levantamento simples, que não buscava por frutas silvestres não-comerciais, o Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE) informou que existem cerca de 200 frutas identificadas entre brasileiras e estrangeiras.


Apesar da variedade de frutas e de vegetais comestíveis que temos em nosso país, uma pesquisa também realizada pelo IBGE, em parceria com o Ministério da Saúde, publicada em 2011 indicou que a ingestão diária de frutas, legumes e verduras do brasileiro está abaixo dos níveis recomendados pelo Ministério da Saúde (400g) para mais de 90% da população.


Transgênicos: o fruto proibido?

A ideia do poder vital das frutas e vegetais em nossa saúde é muito antiga. O mundo, no entanto, mudou bastante e, hoje, a comida que chega em nossas mesas não tem mais a pureza de um jardim mítico. Em 2017, de acordo com pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, o brasileiro já consumia uma média de 7 litros de agrotóxicos por ano.


Essa enorme quantidade de pesticidas, herbicidas, fungicidas, entre outros, que ingerimos estão relacionadas a problemas de saúde que vão de intoxicações alimentares ao câncer.


O consumo de vegetais crus seria, ainda assim, uma escolha saudável?


Eduardo Corassa explica que ninguém sugere que agrotóxicos sejam benéficos à saúde, entretanto, afirma que: “É melhor levar uma dieta crua convencional, com alimentos com agrotóxico, do que uma dieta cozida com alimentos com agrotóxicos”. Ele justifica: “A literatura médico-científica mostra que é melhor consumir frutas e vegetais do que evitá-los por causa dos agrotóxicos. Por causa dos compostos proativos, fitonutrientes, vitaminas e minerais que são extremamente benéficos à saúde e protegem mais, mesmo com agrotóxico”.


O nutricionista alerta ainda para uma comparação com a carne, que é um dos produtos alimentares mais ricos em agrotóxicos, o que ocorre por meio do processo de bioacumulação. “A vaca come soja com agrotóxico por quatro anos – durante o tempo de sua vida – e ela faz bioacumulação. Ela vai acumulando todos os agrotóxicos das 100 mil plantas de soja que ela comeu. Quando um ser humano vai comer carne, queijo e leite acaba fazendo biomagnificação, ou seja, ele vai comer dez, mil vacas na sua vida, e vai consumir o agrotóxico que ela consumiu em cada planta que ela comeu”, explica ele.


A rotina alimentar de Nanda Cury, por exemplo, se divide entre orgânicos e não-orgânicos. “Em casa, priorizo o consumo de orgânicos, por serem mais nutritivos, saudáveis e sustentáveis, mas fora de casa como o que tem. Procuro evitar consumir morangos, tomates, pimentões, milho e os vegetais transgênicos. Quando o alimento não é orgânico, evito comer a casca, que é onde o agrotóxico fica mais concentrado”, descreve a profissional de marketing digital.


Nanda lembra ainda que o cozimento não tira os agrotóxicos e aproveita para fazer um apelo: “Essa ideia de o orgânico ser mais caro precisa mudar. Tudo depende de onde você compra. Se comprar nos mercados provavelmente será mais caro. Mas se você frequentar feiras orgânicas e comprar direto do produtor sai mais em conta, muitas vezes o preço é o mesmo ou até mais barato que o convencional, especialmente quando se trata de alimentos da época, que são abundantes”. Abaixo, colocamos algumas informações que podem facilitar essa busca pelos orgânicos para que você possa sempre se alimentar com mais qualidade.


Crudívoro ou não, uma coisa é certa. O brasileiro não perderia em nada se incluísse mais frutas e vegetais em sua alimentação. A descoberta de novos sabores enriquece a saúde e o paladar de quem come!


De volta à natureza

O passo a passo da alimentação crudívora


Procure orientação profissional

Essa dica é uma regra. Cuidar da saúde é muito importante. Portanto, não se arrisque seguindo dietas da própria cabeça ou porque achou interessante! Procure ajuda de um nutricionista ou nutrólogo que simpatize com essa postura alimentar. Isto é, um profissional que esteja atualizado frente às pesquisas referentes ao veganismo e suas vertentes. Feito isso, aí vão algumas dicas para a adaptação ao estilo de vida crudi-frugi-vegano.


Comece aos poucos

Nanda Cury dá uma dica de quem já passou por isso:

“Pense na ideia de incluir alimentos novos e aumentar as suas opções, o cérebro não gosta da ideia de restrição. Se conecte com a ideia de abundância, de comer à vontade, de alimentação colorida e de se desafiar”.


Alimentos crus são ricos em fibras e em sais minerais. Mesmo uma única refeição por dia consistindo inteiramente de frutas terá um efeito revolucionário na sua saúde. O lema de Nanda é “Coma mais frutas e vegetais! (E deixe os animais em paz)”.


Conheça novas frutas e vegetais

Preze pela variedade: vegetais têm mais proteínas e minerais, frutas têm mais carboidratos e vitaminas. Um equilibra o outro. Não se limite! Nanda sugere que você considere também conhecer pequenos produtores e plantar seu próprio alimento, se houver espaço em sua casa.


Vegetais da estação

As frutas e verduras da estação estão em seu melhor estado nutricional, pois contêm vitaminas e minerais em maiores proporções. São frescas, mais saborosas e mais baratas. Além disso, elas tendem a ser menos contaminadas com agrotóxicos.


Tenha sempre bananas e couve em casa

Além de mais acessíveis, trazem importantes contribuições nutricionais e são bastante versáteis para receitas. O abacate também é um trunfo.


Frequente a feira local

Frequente feiras locais, conheça os fornecedores e incentive a economia de onde você mora.


“Pesquise em sites como o Mapa da Feira Orgânica onde tem orgânicos perto de você”. A dica é da influenciadora crudívora Nanda Cury.


Busque informação responsável

Nanda Cury dá uma dica bem acessível em tempos de conexão: “Busque informações, siga pessoas que praticam esse estilo de vida na internet e que possam te inspirar nessa jornada”. Mas veja bem quem você está seguindo e tenha consciência de que não se trata de uma dieta que visa emagrecimento. A youtuber Rawvana (protagonista de uma polêmica na internet nos últimos meses) estava consumindo uma dieta diária de 1.200 calorias com foco no emagrecimento. O que Eduardo Corassa considera um absurdo para uma pessoa adulta, conforme comentou recentemente no Instagram.


Suprindo suas necessidades calóricas

Use a ferramenta gratuita de contagem de calorias Cronometer para ter certeza de que está comendo o suficiente. Como você já deve ter percebido, crudívoros costumam comer grandes quantidades diárias. Eduardo Corassa estima ingerir 6 quilos de alimentos por dia.


Tenha paciência com você

Nanda Cury revelou que “sentir o cheiro de comidas com as quais temos relações afetivas e sociais é desafiador”, e inclusive afirmou já ter recaída e comer comida cozida depois de sua transição alimentar, “mas me senti tão mal fisicamente e energeticamente que isso só fortaleceu o meu desejo de me manter no objetivo”, conta.

Tenha um foco claro em seus objetivos, mas tenha paciência consigo mesmo. Não se compare a ninguém. Cada um passa por seus próprios processos.



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